domingo, 15 de março de 2009

O PATRONO DA PÔS-GRADUAÇÃO

Qualificação
A visão de um pensador

Newton Sucupira aponta uma contradição
histórica: melhor qualificação não garantiu
valorização dos profissionais do magistério

Como membro do antigo Conselho Federal de Educação, o vice-presidente da Academia Brasileira de Educação (ABE), professor Newton Lins Buarque Sucupira, participou de momentos decisivos na história da educação nacional, que estruturaram as bases do ensino superior.
Apenas para citar alguns exemplos, Newton Sucupira foi o relator do parecer que deu início à implantação e desenvolvimento da pós-graduação nas universidades brasileiras, em 1965. Anos mais tarde, em 1968, fez parte da reforma universitária que definiu, entre outras coisas, a indissociação do ensino e da pesquisa e a exigência de que o professor universitário tivesse uma formação de pós-graduação no sentido stricto. “É neste sentido que o ensino superior garante hoje a qualidade do ensino e da pesquisa que não havia anteriormente”, disse o educador.
A partir daí, ficou estabelecido que a universidade só poderia ser criada se tivesse condições de pesquisa e pós-graduação. “A pós-graduação em stricto sensu evoluiu muito e constitui um meio de preparação e de qualificação do professorado de ensino superior”,afirmou. No entanto, suas análises não se limitam aos tempos idos e Newton Sucupira observa com propriedade o quadro atual do ensino superior. Apesar de apontar alguns problemas, o professor percebe um avanço no ensino superior nas última décadas. Leia a entrevista:

Folha Dirigida — Qual a sua avaliação sobre a política educacional implementada no governo anterior e quais as suas perspectivas sobre o atual governo?

Newton Sucupira — No ensino superior eu não vejo grandes diferenças entre os dois governos. O Ministério da Educação no governo atual tem estado voltado para a erradicação do analfabetismo. Eu não vi — embora não acompanhe de perto — nenhuma medida nova que representasse uma mudança para a melhora do ensino superior.

Folha Dirigida — Em sua análise, qual a importância da pós-graduação para a educação nacional? Como ocorreu sua implementação no país?

Newton Sucupira — No Conselho Federal de Educação, nós estabelecemos a idéia da pós-graduação, que foi criada, definida e regulamentada por mim. Essa idéia teve completa aceitação pelas universidades e hoje faz parte do sistema de ensino superior. Ela deu lugar a que se fizesse uma carreira acadêmica, de acordo com os graus de mestre e de doutor. Hoje em dia, uma universidade não pode se considerar como tal, se ela não faz pesquisa e não tem curso de pós-graduação, no sentido stricto (mestrado e doutorado). A pós-graduação foi definida em 1965, no parecer 977/65, de minha exclusiva autoria, e aprovado pelo Conselho Federal de Educação. Mas ele começou a ser aplicado com a reforma universitária de 1968. Essa reforma exigia que o professor universitário tivesse uma formação de pós-graduação no sentido stricto. É claro que isso foi acontecendo progressivamente, porque não havia massa crítica suficiente, não havia tantos doutores, para gerar outros cursos de doutorado. Hoje a tendência é dar toda a ênfase ao doutorado para efeito de carreira acadêmica.

Folha Dirigida — Muitas faculdades contratam professores por serem pessoas atuantes no mercado, mas que não necessariamente têm esta formação acadêmica. O senhor defende que os professores universitários têm que ter a graduação de doutores?

Newton Sucupira — Isso é um problema do Conselho Nacional de Educação. Para aprovar uma universidade exige-se que ela disponha de cursos de pós-graduação em nível de mestrado e doutorado. Se não se exige isso é um problema do conselho, porque está na lei da reforma a idéia de qualificar o professor mediante cursos de pós-graduação em sentido stricto. Não é um curso de aperfeiçoamento ou uma especialização que vai qualificar o professor universitário. O que qualifica é um mestrado e a tendência cada vez maior em exigir o grau de doutor.
Folha Dirigida — O que diferencia a atuação do atual Conselho Nacional de Educação em relação ao antigo Conselho Federal de Educação?

Newton Sucupira — O Conselho Federal de Educação tinha atribuições muito mais amplas do que o atual, pois atuava não somente como consultivo, como decisório. Por exemplo: a criação de uma nova faculdade dependia primeiramente do parecer do conselho. O ministro poderia até não homologar, mas também só podia sair uma norma de aprovação e homologação do parecer tendo o Conselho Federal de Educação se pronunciado primeiramente. Havia vários outros pontos em que o artigo 9º da primeira Lei de Diretrizes e Bases atribuía ao conselho uma série de capacitações e competências de jurisdição próprias. O Conselho Nacional é, em grande parte, consultivo. O ministro pode ou não aceitar o parecer do conselho, ao passo que no Conselho Federal de Educação, só poderia haver encaminhamento no sentido de aprovação de atividade educacional, com o parecer prévio. O Conselho Federal de Educação não era apenas consultivo, era um momento essencial na criação de novas escolas.

Folha Dirigida — Na sua trajetória profissional na Educação, quais as principais mudanças que percebeu? As modificações melhoraram ou pioraram o quadro educacional?

Newton Sucupira — Essa é uma questão de julgamento do sistema de ensino superior nos últimos tempos. Há uma tendência em considerar que o ensino superior decaiu. Eu não faço parte desses pessimistas. Houve um desenvolvimento imenso do ensino superior. Mas, como tudo que foi feito às pressas, sofreu na qualidade. Se comparado ao ensino superior do meu tempo, havia poucas faculdades que eram realmente de alto nível, como a faculdade de Direito de São Paulo e de Recife e a Faculdade de Medicina de São Paulo. Essas correspondiam ao nível necessário de ensino superior. O resto era pouco e ruim. Então, sob este aspecto, eu não acho que houve uma decadência do ensino superior, porque isso supunha que ele tivesse atingido um alto grau e fosse perdendo progressivamente este nível. A última mudança que eu vejo é a ação afirmativa, para estabelecer cotas de acordo com a cor e a procedência. Aqui começou na Uerj. É uma maneira que supõe contribuir para a democratização do acesso à universidade. Mas do ponto de vista pedagógico, isso traz conseqüências nada boas. Não considero que isso seja válido para a melhoria do ensino superior. Quanto à democratização, entrarão na universidade pessoas que não têm condições para seguir um bom curso de ensino superior. Há esse duplo aspecto. O ideal seria que a escola do ensino médio qualificasse o aluno com uma capacitação para ter êxito ao longo do seu curso superior. Essas cotas, que significa praticamente a entrada pura e simples no ensino superior, têm estas deficiências do ponto de vista do ensino e da pesquisa. Eu estava na direção do ensino superior quando criamos o sistema, de acordo com a lei, do vestibular unificado. Rebaixamos a nota da classificação de entrada, pelo que fui muito criticado. Naquele momento era um processo de aumentar a capacidade do ensino superior porque no Brasil, em 1960, havia apenas 90 mil alunos em todo o ensino superior. Hoje estamos na casa dos 3 milhões. Houve um aumento considerável a partir da década de 60 e sempre foi aumentando. Foi nessa década que se institui a pós-graduação, e sobretudo quando se estabeleceram condições de pesquisa. É claro que esta pesquisa não atingiu ainda um momento crítico de desenvolvimento institucional. Há autores que insistem muito na falta de pesquisa e criticam a pós-graduação porque há cursos que não mereciam este nome. Você não pode deixar de reconhecer que a aplicação de um sistema desta natureza não pode ser feita a todo o universo do ensino superior com o mesmo grau de eficiência. Há o curso de pós-graduação em mais alto nível e há outros que não são. Mas de qualquer maneira a pós-graduação em stricto sensu evoluiu muito e constitui um meio de preparação de qualificação do professorado de ensino superior.

Folha Dirigida — Qual a importância da pesquisa no contexto universitário? O que falta para a implementação da pesquisa nas universidades brasileiras de forma mais atuante?

Newton Sucupira — Há autores americanos que definem a universidade hoje como a indústria de conhecimento. Como a sociedade moderna é técnico-científica, as ciências são cada vez mais necessárias. Neste caso, o ensino superior deve fornecer os produtos dessa produção científica. Então, supõe-se que a universidade deve oferecer cursos de graduação de primeiro nível e até cursos de pós-graduação. Há, portanto, um universo muito diferenciado dentro das funções da universidade.
Primeiramente é preciso ter professores altamente qualificados para fazer pesquisa. Segundo, condições, materiais. Sobretudo nas Ciências Exatas e Naturais você precisa ter aparelhos, laboratórios, que são essências para a pesquisa. E por outro lado há também uma questão de financiamento. Você sabe que há contingenciamento em todo setor. Daí porque os pesquisadores se queixam, com razão, que não têm recebido estímulos materiais. Mesmo um professor altamente qualificado precisa de instrumentos para atuar de acordo com a área que estabelece. Até mesmo no caso da pós-graduação em Ciências Humanas, você precisará de um computador de última geração, internet, e todos estes meios que estão revolucionando pouco a pouco o universo do ensino.

Folha Dirigida — O aumento na quantidade de alunos, descrito pelo senhor, veio com a expansão do número de faculdades. Como o senhor vê esta expansão?

Newton Sucupira — Em 1965, 55% das faculdades eram públicas, portanto, 45% eram particulares. Isso foi imediatamente mudado quando veio este ímpeto, esta procura desmesurada pelo ensino superior. À medida que uma sociedade se torna científica, mais tecnologia ela conserva, e mais deseja, o que é necessário. Então abrem-se as escolas. Em 1971 houve uma criação desordenada de faculdades. Eu estava no conselho, mas vários fatores contribuíram para abrir um pouco as normas e saírem faculdades que, na verdade, não tinham nível superior adequado. Daí resultou um aumento considerável da privatização do ensino superior. O ensino superior particular já estava desde 1971 se estruturando cada vez mais atrás de vagas. Essa demanda, que resultou num desenvolvimento no país, provocou a criação de faculdades. Eu lembro que havia casos de colégios que fechavam para se instituir faculdades e nem sempre eram faculdades com nível previsto na norma do conselho. No começo da década de 70 a participação do ensino particular chegou a 70%.

Folha Dirigida — Qual o papel da universidade no contexto socioeconômico do país?

Newton Sucupira — A universidade hoje tem funções múltiplas. Tantas que criam problema para a sua própria identidade funcional. Em primeiro lugar, a maior parte dos alunos espera o quê? Uma qualificação para o mundo do trabalho. Em segundo lugar, a universidade deve desenvolver uma formação não somente restrita ao trabalho, mas a uma formação cultural ampla que permita à universidade agir criticamente sobre o ensino superior e sobre a própria sociedade. Você tem exemplo disso. Na Universidade Federal do Rio de Janeiro você tem um organismo que tem contribuído muito para a pesquisa no setor, que é a Coppe. E também em São Paulo, em Campinas. Estes são núcleos do ensino superior que fazem pesquisa, mas a maior parte não tem condições de fazer. Daí porque o Ministério da Educação criou os centros universitários na última Lei de Diretrizes e Bases. Os centros têm prerrogativas quase iguais às universidades, mas não se pode exigir pesquisa deles. São centros de ensino. Essa é uma questão muito discutível e foi uma maneira de resolver a quantidade de processos requerendo a fundação de universidades. De onde ficou estabelecido, que a universidade só pode ser criada se ela apresentar condições de pesquisa e pós-graduação. É neste nível que se pode desenvolver a relação com a sociedade, que é múltipla, porque esta relação não se faz somente com a pesquisa, para atender às necessidades sociais, mas também se faz para a extensão.

Folha Dirigida — É possível apontar uma prioridade para a política educacional do país hoje?

Newton Sucupira — Para a política educacional eu não diria. No caso do ensino superior, eu acho que deveria haver uma política intensa de fornecimento de meios para a pesquisa na universidade. O essencial em uma política de ensino superior é exatamente promover estes meios. Deveria ser uma política que fixasse centros de excelência, fornecendo os meios materiais humanos para que possa daí surgir uma pesquisa cujo resultado será visível no campo da sociedade. Uma coisa é uma pesquisa que você faz para resolver determinado problema, uma pesquisa básica orientada, limitada ao campus. Outra é a pesquisa pura. Essa pesquisa pura apenas corresponde aos anseios da sociedade no que diz respeito à exigência de consumo de produtos e corresponde a um dos momentos mais notáveis da universidade, que é a pesquisa criadora. Nem sempre o pesquisador pode atender ou julgar que ações terá o seu trabalho. Há exemplos na história da ciência de pesquisas e resultados que foram encontrados sem terem visto nenhuma aplicação prática no momento, mas que resultaram numa praticidade indiscutível. Seria uma mentalidade tacanha fornecer dados e meios para aquela pesquisa especialmente. Deve haver dentro da universidade a instalação progressiva de centros de pesquisa pura, porque dela resultará sempre um benefício, porque é próprio da ciência essa fecundidade criadora das normas científicas.
Folha Dirigida — Como o senhor analisa as condições do magistério? Qual a diferença do professor do seu tempo de estudante para hoje?

Newton Sucupira — Eu me formei em Direito, em uma boa faculdade, que era a Faculdade de Direito de Recife. Nós tínhamos professores que eram grandes juristas, mas que faltavam sistematicamente às aulas, porque sua atividade de advogado impedia que desenvolvessem o ensino de maneira sistemática. Mas esses professores eram melhores? No centenário das Faculdades de Direito de Recife e de São Paulo, na década de 20, houve um congresso comemorativo com a apresentação de muitas teses. E grande parte foi dedicada à universidade. Considerava-se o ensino profissional como essencial na universidade. Reduzia-se toda a capacidade criadora da universidade à formação de profissionais devidamente qualificados. Não havia nenhuma exigência de pesquisa, o que começou com a reforma Francisco Campos de 1931. E na reforma universitária de 1968, foi estabelecida a indissociação do ensino e da pesquisa. É neste sentido que eu acho que o ensino superior garante hoje a qualidade de ensino e de pesquisa que não havia anteriormente. Como eu disse, nós tínhamos grandes juristas, mas professores mesmo, não. Eles eram advogados, eram profissionais do Direito. Entre as suas causas e as aulas, eles preferiam as causas.

Folha Dirigida — Pode se dizer, então, que o magistério está mais qualificado? Os professores universitários têm uma formação melhor?

Newton Sucupira — Ainda no campo do Direito, por exemplo, você tem que considerar o número de faculdades existentes no país. É de se duvidar que haja tantos professores qualificados quanto o número de faculdades, até porque este é um dos cursos mais baratos, pois você precisa apenas de quadro-negro e giz.

Folha Dirigida — Os professores se queixam que ao longo dos anos o magistério foi sendo desvalorizado. O senhor concorda?

Newton Sucupira — Sim, porque o que se paga hoje ao professor é muito pouco. Mesmo na pós-graduação, no regime de dedicação exclusiva, não é suficiente para se ter uma vida mínima necessária. Há a desvalorização, porque o professor é mal pago em geral. Eu me lembro que eu estava nos Estados Unidos na década de 50, quando o Sputinik (primeiro satélite artificial, lançado pelos russos) abalou a consciência educacional dos Estados Unidos. Isso fez com que se voltasse para a análise do que é necessário e houve um seminário para discutir problemas da formação do ensino superior e suas necessidades. O primeiro ponto proposto foi que a melhor maneira de conseguir professores qualificados é aumentando o seu salário.

Folha Dirigida — O senhor acha que a melhor remuneração resolveria a questão e traria de volta o prestígio do professor?

Newton Sucupira — É uma das condições. Não digo que basta aumentar 100% do ordenado e os professores atuais se tornarão grandes professores. Não é isso. Isso é apenas um elemento que contribui para atrair para a profissão elementos qualificados que se destinam a profissões intelectuais, mas que não se interessam pelo magistério por causa da remuneração. Houve um tempo em que o professor catedrático, principalmente o das grandes faculdades, tinha grande prestígio. Você não pode isolar a classe de professor, que é muito mal remunerada, porque tudo depende de um nível de desenvolvimento da sociedade e da consciência educacional.

Elaine Lemgruber
Folha Dirigida

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